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quinta-feira, 11 de julho de 2019

Eu não uso óculos.

Quando eu era criança, eu tinha uma loucura por usar óculos. Se eu for honesta comigo mesma, eu ainda tenho uma vontadezinha de usar óculos de grau. Não por querer ter problemas oculares - na verdade, morro de medo. Gosto de ter a visão perfeitinha, sempre elogiada pelo oftalmologista. Então você pode se perguntar, por que eu queria usar óculos? Aqui os óculos se tornam apenas um acessório, como muitos que usamos na vida - abstratos ou concretos, emocionais ou racionais, simbólicos ou não. Quando me vejo de óculos me sinto mais intelectual. Sinto que as pessoas poderiam me enxergar com mais seriedade ou mais respeito, me dá um diferencial, ganho uma certa notoriedade. Uma Thainá usando óculos de grau tem um apelo totalmente diferente e gera uma percepção totalmente diferente nas pessoas ao meu redor. De repente me sinto mais interessante, embora a pessoa que eu seja não tenha mudado em nada. Como os óculos, temos nos baseado em acessórios em nossa vida para a forma como queremos ser vistos.

É normal que vivendo em sociedade, queiramos ter funções e assumir papéis diante de nossos amigos, familiares ou pessoas a quem admiramos. Todos querem ser admirados: pela sua beleza, inteligência, habilidade ou parcimônia. Por que ser admirado é assumir que somos importantes, temos relevância para alguém, somos apreciados.

O que está sendo, na sua vida, os seus óculos? O que você tem usado como máscara para ser aceito pelas pessoas, para se sentir melhor, mais admirável, mais legal, mais popular? O que a sociedade - e aqui, lê-se seus amigos, professores, pessoas a quem você admira e sente vontade de agradar - exigem de você, ainda que de forma muito sutil, para que você tenha esse sentimento de pertencimento, parte do grupo ou até sentir-se apreciado pelas pessoas?! Será que você tem moldado suas opiniões para que elas caibam dentro do que o grupo "espera" para que assim você se sinta um deles? Será que você tem feito coisas, que talvez nem achasse assim tão interessante fazer, para estar com a turma? Será que tem se calado - não dividindo seus reais pensamentos - por medo de ser excluído ou ser massacrado pelas opiniões dos que te rodeiam?! Esses podem ser os seus óculos.

Um acessório que te dê esse selo de aceitação pode ter muitas formas: um piercing,uma tatuagem, um namorado, um celular de última geração, uma opinião ou a falta dela, um comportamento,... Podem ser vários ao mesmo tempo.

A época de formação da personalidade é provavelmente a época de maior desafios no que concerne a aceitação por parte do grupo - tornando a adolescência e o início da fase adulta complexas - por causa disso. Estudos¹ costumam concordar que o desenvolvimento da personalidade vai até os 30 anos. Ou seja, é durante a segunda década de vida que vamos nos tornando menos passíveis de mudanças drásticas em nossa personalidade, embora essas ainda ocorram. Quando nossa personalidade está formada, não somos tão influenciados por aquilo que os outros esperam ou pensam de nós - ter consciência da própria identidade não está totalmente associada a idade, mas também não é desconectada. Assim, é no momento de maiores mudanças na nossa vida - fim do ensino médio, escolha de uma profissão, início da vida profissional, entre outras - que estamos mais suscetíveis a opinião do outro para a formação de nossa personalidade, justamente porque tendemos a querer sermos aceitos e ao estarmos em ambientes novos, desconhecidos, onde ainda não temos o sentimento de pertencimento, estamos mais ansiosos em fazer parte do grupo.

Apesar disso, com nossos vinte e poucos ou no período pós-"maioridade" (18+) temos o costume de nos sentir maduros o suficiente para sabermos de tudo. E com isso, abrimos brechas para sermos impulsivos em abraçar bandeiras, assumir papéis e defender ideias. Não me surpreende que as Universidades formem tantas pessoas com o mesmo viés ideológico de seus professores - sem entrar em méritos, só constatando. Aqui temos um fenômeno que não é apenas ligado ao pertencimento ao grupo, mas na relação de admiração, oportunidades e autoridade. Um Professor é a figura de autoridade² não apenas pelo cargo que ocupa, mas em determinado assunto, por pesquisas e por personificar a figura de conhecimento. Nós admiramos aquela pessoa pelo seu amplo conhecimento em determinado assunto e temos a tendência de acreditar que o ela diz sempre advém desse conhecimento, dessa "sabedoria" inspiradora. Portanto, acreditamos fielmente em coisas que muitas vezes é apenas uma opinião, não algo baseado em fatos. Embora eu cite o ambiente universitário, obviamente o mesmo se dá no ambiente escolar, com a diferença de que na escola, o aluno está muito menos exposto a algumas circunstâncias como o impacto da política na vida cotidiana, custo de vida, a necessidade da tomada de decisões a longo prazo, etc.

Com isso, percebemos como a mente está exposta aos ideais que serão compartilhados como verdades absolutas, ainda que estes não sejam. Vamos comprar ideias sem nunca termos analisado sequer seus preâmbulos, quanto mais os assuntos mais profundos e toda sua complexidade. É necessário ter em mente que assuntos humanos nunca são exatos. É difícil discutir temas como identidade de gênero, aborto ou muitos outros, pela superfície - e nem sequer deveríamos, pois eles são COMPLEXOS e, portanto, para não sermos injustos com o tema e as pessoas envoltas neles, precisamos ter sensibilidade - eu diria humanidade, até. E não se encontrará uma concordância, alguns pontos ficarão por conta de seus valores morais intrínsecos. E também não significa que a verdade seja relativa porque ela não é; existem fatos incontestáveis e numerosos sofismas que precisam ser avaliados como positivos ou negativos, além de apenas verdadeiros. A falta de bilateralidade nas discussões em nível acadêmico tem gerado e alimentado problemas diversos no seio da sociedade: intolerância, desrespeito, falhas de comunicação, laços familiares desfeitos, ódio, porfias, etc.

Creio que jovens tem assumido posições políticas e sociais como acessórios. A pressão social e do grupo tem levado esses jovens a opiniões rasas, porém populares. Geralmente essas visões são difundidas como sendo moralmente corretas, intelectuais e de um modo geral, boas; enquanto tudo que se difere destas, mesmo que minimamente, é intolerante, preconceituoso, ignorância e, em geral errado. Quando tentamos suprimir visões de mundo diferentes por meio da coerção, pressão social, ridicularização e até de ameaças, isso sim é intolerância, preconceituoso e estúpido. Infelizmente, chegamos a um ponto da racionalidade que não se faz a análise de posturas e muitas vezes essas despertam justamente das figuras de autoridade que deveriam, seja pela experiência, pela idade e até pelo conhecimento, impedi-las. Outros casos, há tamanha confusão nas explicações de algumas bandeiras que muitas pessoas sequer compreendem o todo, mas se sentem impelidas a defendê-las.

Imagine só, o desastre que seria se eu usasse um óculos de grau meramente pela necessidade de ser aceita pelo grupo? Quantos malefícios eu traria para a minha visão! Eu poderia deturpá-la para sempre, de forma a nunca mais conseguir tê-la perfeita. E talvez eu nunca viesse a sequer perceber o estrago que causei. É a mesma coisa com os acessórios que usamos em nossa vida: que grande prejuízo eles podem causar, não apenas para quem os usa, mas para aqueles que o cercam. Então eu pergunto, quais acessórios você tem usado em sua vida? Que tipo de bandeiras você tem defendido e levantado, sem realmente conhecê-las, sem realmente compreendê-las - conhecendo as premissas das demais- para ser visto como alguém inteligente? O que você tem aceitado fazer para que o grupo o enxergue como um deles? Que tipo de valores morais você tem suprimido para não ser ridicularizado?

Cuidado com os acessórios que você tem aceitado.

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