Pages

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Testando o amor (?)

Peço previamente desculpas a quem eu inevitavelmente vá ofender. Não é a minha intenção. Mas te convido a refletir comigo sobre aquilo que vou falar, não porque estou completamente certa, mas porque talvez eu te traga uma visão que você nunca tenha percebido.

Em meio a tantos novos relacionamentos, a tantas mudanças e possibilidades que se desenham conforme a sociedade vai se percebendo, a ideia de construir algo com quem se ama permanece sendo atrativa e aos que estão apaixonados, torna-se mais um destino do que um sonho. Apesar de todas as mudanças do mundo, a instituição mais antiga de todas continua a ter seu appeal. O casamento é ainda a conclusão óbvia, para a maioria, que ama.

Mas o casamento muito mais do que uma festa, um enlace, um documento, é como eu disse, uma instituição. Institui-se que duas pessoas se amam a ponto de aceitarem seus defeitos, suas qualidades e decidirem que não importando o balanço do mar, as tempestades e as ressacas, querem estar juntos. Crescer juntos. Construir juntos. Passar por essa vida tendo o outro como o principal suporte, amigo, companheiro e algo sem nome que significa o misto de enxugar lágrimas, de tirar do sério, arrancar as gargalhadas mais idiotas, te ver no seu dia mais maravilhoso e no seu pior dia, fazer massagem contra cólicas ou ter a permissão de te ajudar nos dias de vômitos, diarreias e outras coisas grotescas do ser humano.

Casamento é uma instituição com nuances diversas, mas sempre de amor e cuidado. Sempre de trabalho e dedicação. Sempre de aconchego e espaço.

Então me incomoda que sejamos tão simplistas e tão metódicos com algo que não tem regras. Não há padrão. O que quero dizer? Bem, me refiro a algo que vejo se repetir muito que é essa ideia de que antes de casar deve-se testar para saber se dará certo: morar junto. Tenho plena convicção que existem casais que moram juntos e são muito mais casados do que outros que tem papel passado. Veja bem, não falo de morar junto o ato, mas a ideia de que esta seja uma condição racional e pré-casamento.

Quando supõe-se que você vai testar, está muito explícita a ideia de que você pode concluir que está ruim. Foi engano. Trocar, querer outro. Perde-se todo o sentido de construção e estabilidade. Perde-se o foco de que quando você decide viver sua vida com alguém, pode inevitavelmente ter sido um erro, mas devemos procurar o acerto. 100%. Há quem diga que não existe uma pessoa só para nós, não existe alma gêmea. Concordo, não existe, mas isso não significa que a pessoa que escolhi não possa ser a única com quem eu viva. E ser feliz com isso.

Testar me dá a terrível sensação de exame. De ser aprovado ou não. E será que você pode ser testado? Seus sentimentos, dias ruins, teimosias, defeitos. Qual pode ser sua nuance para que alguém te defina como um erro? Conviver é a coisa mais difícil do mundo. Mudar e se adaptar diariamente. Quando você casa com plena certeza de que aquela é a pessoa, se faz claro que você quer entender e enfrentar os dilemas. Não se constrói nada forte e edificado sem quebrar algumas rochas, errar uns sustentos, recomeçar uma parede. Mas continuar, corrigindo aqui e ali, mas continuar. Não se constrói nada muito forte com testes. Testes são abandonados ao ter suas conclusões: bom ou ruim. Pronto para a outra.

Me ofende que alguém que eu ame me olhe e não tenha a certeza se sou suficiente a ponto de me sugerir um teste. “Te amo, mas talvez você não seja assim tão bom”. “Te amo, mas não me arrisco”. “Te amo, mas sabe como é”. Bem, você sabe como é, pode haver alguém melhor no caminho. Que desastre. Talvez você durma da maneira errada. Talvez você deixe a pia da louça na pia de um dia para o outro. Ou largue a roupa suja no chão do banheiro. Ou não faça a cama quando se levantar.

Ignoramos que todos possuem defeitos, procura-se defeitos que eu conviva por mais tempo ou invés de procurar qualidades que eu queira por perto. Quando se quer testar acaba com toda a qualquer reserva daquilo que o poeta disse ser um mergulho no escuro. Não, mergulhar não, eu entro aos pouquinhos e conforme a minha predisposição.

Criamos relações frias, sem entrega, sem disposição para o cuidado e a dedicação. Quero muito meu espaço e o meu jeito e  esqueço de abrir espaço também e aceitar o jeito do outro. Ao “morar junto”, sem as amarras e sem a disposição de ser melhor todo dia, resumimos uma decisão para a vida toda em uma decisão que vá até a minha paciência. Perdemos a chance incrível de perceber que há mais depois, que há consertos e há reparos. E há relações que ficam ainda melhores depois das pequenas aparadas dos fios soltos.

Testar é uma pré-disposição de construir um relacionamento descartável com alguém que considero potencialmente descartável. Um possível acerto, uma probabilidade matemática, um zero decidindo em qual lado vai ficar. Numa briga, pego uma mala e desfiz os laços. Passo os dias pesando prós e contras, qualquer coisa feita se torna um possível tópico numa lista. A decisão não é feita a partir  da minha vontade de crescer e construir uma vida em comum com o outro, mas na hipocrisia de uma balança de benefícios.

Testar, me parece a pior maneira de se começar uma relação que mais do que status e mais do que estado, deve ser uma instituição.

Compartilhe!

Powered By Blogger