Uma cicatriz ainda é uma cicatriz, não importa se foi feita
por um cirurgião ou por um machucado bobo, não importa quanto tempo ela existe,
não importa muita coisa.
Ela continua sendo uma cicatriz.
Existe um caminho feito dentro de mim onde o caminhão passou
por cima da minha ingênua ilusão sobre você. O caminhão foi pesado e abriu
sulcos na terra, deixou a marca dos pneus, saiu levantando terra. O que resta
agora além de tentar aterrar e consertar os estragos?
A cicatriz ficou.
Há marcas de você na minha memória. Há lembranças da cor dos
seus olhos, da forma que você ri, de como você andava meio sem jeito antes de
ir comprar café. Há marcas de como você posicionava a sua mão no meu pescoço e
como eu sentia um arrepio na espinha. Há o seu cheiro e o seu calor. Há marcas
suas aqui.
Não é que eu as queira. Eu não quero. E ainda assim não
consigo abrir mão.
Do que achei que fôssemos, não restou nada. Levantou o
pequeno pé com raiz e tudo. Como um
vendaval – repentino, assustador e incontrolável.
Você se fez um estranho com a mesma rapidez que se fez
relevante.
Quem é você, afinal? Aquele que me deixava deitar em seu
peito e me abrigar no seu carinho ou o que parou de se importar no intervalo de
algumas horas? Quem é você? O que você sente, o que você pensa, como você
enxerga a mim quando – e se – olha para trás?
Não assimilo a pessoa com quem eu tinha tanto em comum – com
quem era fácil sorrir e estar – com esse estranho que me olha de volta quando
vejo sua foto.
Me sinto tão boba agora por ter acredito tanto em você e
tanto no que achei que existia que não fui capaz de me impedir de fechar os
olhos. Tudo que você fez foram só formas para me enganar ou houve alguma
verdade naqueles momentos? Foi calculado ou foi verdadeiro?
Há marcas suas aqui que eu não consigo apagar. Eu as ignoro.
Ignoro até que seja fácil, vou ignorar até que elas não pareçam nada além de uma
cicatriz branca, antiga, já esquecida. Mas uma cicatriz ainda é uma cicatriz.
Você percebe que quando foi embora, me tirou não só os
beijos e a ilusão, mas me tirou também um amigo? E eu agora não se dizer se
alguma coisa foi real. Do que valeu tudo que éramos compatíveis, tudo que
parecíamos confluir? Você desafinou todas as notas quando parou de tocar.
A música realmente tocava enquanto eu estava dançando ou eu
estava escutando só o que você queria me fazer escutar?
Há marcas de você aqui, marcas dos seus dedos, dos seus
beijos, dos seus discos, da sua playlist, dos seus óculos de intelectual.
Há marcas minhas em você? Há alguma cicatriz, há algum
arrependimento em você sobre sua decisão? Ou foi fácil ir embora do mesmo jeito
que foi fácil chegar?
Tudo me lembra você. O que eu odeio. Odeio que você tenha peso ainda em qualquer coisa que seja. Mas tudo que quero odiar por sua causa me lembra você. E tudo que eu amava em você, me faz distante dos outros.
Há
marcas de você aqui. Marcas tão sutis que eu me distraio até me deparar com uma
delas, me lembrando do que foi. E me lembrando de que talvez nunca tenha sido.
Me responde, alguma coisa foi real?